Filosofia
O que significa ser feliz?
É possível ser feliz? Em que consiste a felicidade? Os mais pessimistas acham a felicidade um sonho impossível. Para outros a felicidade estaria nos momentos de consumo, com o que o dinheiro pode nos proporcionar. Para isso tantos esperam as férias, a aposentadoria ou mesmo o prêmio da loteria. A felicidade é vista pelo seu avesso: como a não dor, o não sofrimento, a não perda. De certo modo, representa a adequação das pessoas a comportamentos padronizados, ao que Nietzsche chamaria de “felicidade de rebanho”. Ao contrário dessa busca cega, a felicidade encontra-se mais no que o ser humano faz de si próprio e menos no que alcança com bens matérias e sucesso. Ou seja, apenas as posses não nos tornam felizes, porque a riqueza não é m bem em si, mas um meio de nos proporcionar outras coisas.
A “Experiência de ser”
A felicidade comporta um dado característico, o sentimento de satisfação. Por experiência, sabemos que não é um estado pleno, pois a vida feliz não prevê os contratempos, como a dor, o sofrimento, a tristeza, etc. Só a satisfação não é o suficiente para explicar a felicidade, pois ela implica na realização de desejos que várias vezes são conflitantes. Os desejos não são compatíveis e uma decisão satisfaz um desejo, mas frustra o outro. Aí encontramos mais um componente da felicidade, a autonomia de decisão. Se não somos livres sofremos com influências externas e então temos uma padronização de nossas escolhas, mas se agirmos de acordo com nosso pensamento, decidimos de modo coerente. Para tanto precisamos refletir. A reflexão sobre o que fazer da nossa vida para alcançar a felicidade nos coloca diante de escolhas morais. Mas o que é a felicidade sem alguém para compartilhar nossa alegria? Portanto, a felicidade é também a celebração da amizade, do amor e do erotismo.
Os tipos de amor
É difícil definir amor sem pensar nos diversos conceitos definidos pela humanidade ao longo da história. Na linguagem comum, amor é usado em diversas acepções, desde materiais até as religiosas. Fala-se também do amor a pátria, ao trabalho e a justiça. Existem três tipos de amor: filía, ágape e eros.
• Filía: O termo grego filía (philia) geralmente é traduzido por “amizade”. Trata-se do amor vivido na família ou entre os membros de uma comunidade. Os laços de afeto que o expressam são, em tese, a generosidade, o desprendimento e a reciprocidade, isto é, a estima mútua.
Além desse sentido geral, distinguimos a amizade propriamente dita, quando um vínculo mais forte une pessoas que se escolheram pelo que cada um é. Por isso Aristóteles explica que “os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos”.
• Ágape: Ágape, do grego agápe, significa “amor fraterno”. Entre os cristãos primitivos, terno designava as refeições fraternais, em que se reuniam ricos e pobres, daí o sentido de “caridade”, de “amar ao próximo como a si mesmo”.
Esse tipo de amor não supõe reciprocidade, por que se ama sem esperar retribuição, assim como independe do valor moral do individuo que é objeto de nossa atenção. Em termos profanos—não mais religiosos --, trata-se da benevolência universal, a fraternidade pelo qual zelamos pelos outros.
• Eros: refere-se às relações que costumamos chamar de amorosas propriamente ditas.
Diferentemente das outras expressões de amor já citadas, a paixão amorosa está associada á exclusividade e à reciprocidade. Por isso, ao contrario da tradição, que caracteriza o ser humano apenas como racional, poderíamos vê-lo também como “ser desejante”, tal é a força que impulsiona a busca do prazer e da alegria de conquistar o amado. Esse desejo, porém, não visa apenas a alcançar o outro como objeto. Mais que isso, busca o reconhecimento do amado, quer capturar sua consciência, porque o apaixonado deseja o desejo do outro.
É de tal ordem a força desse impulso que foi necessário o controle dos instintos agressivos e sexuais, para que a civilização pudesse existir. O mundo humano organizou-se com a instauração da lei e, consequentemente, com a interdição, pois as proibições estabelecem regras que tornam possível a vida em comum.
No entanto, a sexualidade humana não é simplesmente biológica, não resulta exclusivamente do funcionamento glandular nem se submete á mera imposição de regras sociais. Embora a atividade sexual seja comum aos animais, apenas os humanos a vivenciam como erotismo, como busca psicológica, independentemente do fim natural dado pela reprodução. A sexualidade humana é portanto a expressão do ser que deseja, escolhe, ama que se comunica com o mundo e com o outro, numa linguagem tanto mais humana quanto mais se exprime de maneira pessoal e única.
Platão: Eros e a filosofia
Platão começa relacionando a beleza com a sabedoria, ao passo que invoca a relação de Eros com a primeira. Uma vez que Eros representa o amor pelo belo (talvez a verdade, objeto de desejo do filósofo) surge a necessidade em Platão de diferenciar o mesmo de Eros, que não pode ser considerado um amante da sabedoria tão-somente por representar o amor pelo belo, o que seria por demais "forçoso". Caso, porém, concebêssemos que Eros trata-se de um filósofo, o teríamos numa posição mediana, ou intermediária, entre o sábio - ou a verdade em sua plenitude - e a plena ignorância, ou seja, Eros está no meio do caminho e estático em relação aos dois extremos, sendo a conotação de sabedoria atribuída ao seu vínculo com o belo. O "belo" é uma qualidade da sabedoria, assim como Eros é o amor pelo belo, o que não significa dizer que Eros se aproxima do todo [nesse caso, a sabedoria] mas só a uma característica dela, que por ser apenas uma parte de algo maior não pode ser considerada na plenitude, o que nesse caso seria o fato de ser ou não filósofo. Portanto, pela sua relação com o belo e sendo este qualidade da sabedoria, Eros estaria entre a sabedoria e a ignorância.
O corpo sob o olhar da ciência
Durante o Renascimento e a Idade Moderna, começou a mudar a concepção de corpo. Um indício foi a prática de dissecação de cadáveres, até então proibida pela Igreja, por ser um ato sacrílego que desvenda o que Deus teria ocultado de nosso olhar. No séc. XVI, o médico belga Andreas Vesalius causou perplexidade ao desafiar essa tradição. Apesar das dificuldades enfrentadas, seu procedimento revolucionário alterou várias concepções inadequadas da anatomia tradicional. A “profanação” pelo olhar levada a efeito por Vesalius foi ilustrada por Rembrandt no célebre quadro Lição de anatomia e por outros pintores. Esse novo olhar sobre o mundo é o da consciência secularizada, da qual se retira o componente religioso para só considerar a natureza física e biológica do corpo, como objeto de estudo científico. Esses antecedentes são indicativos da revolução científica levada a efeito no séc. XVII por Bacon, Descartes e Galileu.
A inovação de Espinosa
No séc. XVII, Espinosa constituiu uma exceção na tentativa de superar a dicotomia corpo-consciência para reestabelecer a unidade humana. Como para ele o desejo é a própria essência humana, interessa-se por tudo o que nos dá alegria e, por consequência, aumenta nossa capacidade de pensar e de agir, distinguindo o que nos leva à tristeza, à passividade e que atrofia nossa potência de existir.
As teorias contemporâneas
No final do séc. XIX, Friedrich Nietzsche critica Sócrates por ter sido o primeiro a encaminhar a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões. Acrescenta que a tendência de desconfiar dos instintos culminou com o ascetismo cristão, que ele responsabiliza pelo processo de domesticação do ser humano, ao torna-lo culpado e fraco. Orienta-se então no sentido de recuperar as forças vitais, instintivas, subjugadas pela razão durante séculos.
Individualismo e narcisismo
Devido à prevalência do setor de serviços, à entrada na era da informática e da comunicação e à globalização, aceleraram-se as mudanças culturais a partir das décadas de 1980 e 1990. A família adquiriu formatos plurais, tais como casais divorciados que se casam novamente, núcleos monoparentais, uniões informais entre pessoas do mesmo sexo. Quais as consequências do afrouxamento das regras de comportamento que passaram a permitir modos plurais de conduta? Primeiro o que se percebe é o individualismo, porque cada um se volta com mais intensidade para si mesmo, na busca pela realização dos desejos aqui e agora. Como decorrência intensificou-se o narcisismo devido à ênfase no aprimoramento da própria imagem e pela ânsia de consumo numa sociedade hedonista e permissiva. Antes não havia toda essa valorização até que no final do séc. XX se dissemina a ideia de manter seu corpo bonito e saudável cuidando dele. O filósofo Gilles Lipovetsky analisa as mudanças do nosso tempo. Destaca aspectos positivos na nova ordem, na qual coabitam os fenômenos de massificação e personalização, de individualismo exacerbado e de indivualismo responsável. Por um lado estaríamos ganhando autonomia e personalização, já que as respostas “não estão prontas”, o que permite comportamentos alternativos. Nesse caso, basta conciliar a preocupação de si com a generosidade, no esforço para a construção de uma individualidade responsável pelo outro e pelo mundo.
Felicidade e Autonomia
Pudemos ver que a felicidade não se separa da nossa identidade, do que somos, do que queremos para nossa vida. Não completamos essa busca sozinhos, mas com alguém do nosso lado, amigo, família, amante. As mudanças no final do séc. XX explica a perplexidade de muitos. Alguns veem com bons olhos e outros veem com maus olhos essas mudanças e concluem não haver propriamente autonomia porque os mecanismos de repressão encontram-se dentro da própria sociedade e são exercidos como instrumentos de controle dos desejos, seja para estimulá-los, seja para reprimi-los. É preciso, portanto, prosseguir na busca da autentica liberação.